domingo, 26 de dezembro de 2010

Tarcisio Burity, divagando em minhas lembranças (Parte IV)
           
          A conversa tava boa entre meu pai, o Coronel Lins e Dr. Burity, afinal, estávamos ali com um único objetivo, convencer o homem sair ao senado pelo PFL coligado com o PDT. Assim, em meu silêncio continuava relembrando da minha modesta participação no movimento estudantil no final da década de 1980.
            Então saindo da Lagoa, passamos pela Avenida Diogo Velho, chegando ao cruzamento com a Avenida Pedro II, seguimos a Praça João Pessoa, sede dos três poderes estaduais. Lá chegando, fomos nos acomodando de todo jeito e a nossa passeata tomou conta de toda a praça, não encontramos nenhum obstáculo ou resistência, a não ser, uma dúzia de soldados na frente do Palácio do Governo, do Palácio da Justiça e da Assembléia Legislativa.
            Os carros de som e o trio elétrico, logo foram posicionados em frente à Faculdade de Direito, meio atravessado, para que pudesse chegar aos ouvidos dos deputados estaduais e do governador, as palavras de ordem pronunciadas como um disco arranhado tocado em uma radiola.
            Logo apareceram uns deputados pedindo que formasse uma comissão dos líderes da greve, eu fiquei sentado nos batentes da escadaria que dava acesso as dependências da Assembléia Legislativa, afinal, já teriam mais líder do que manifestantes. Preferi ficar presente apenas de corpo e lama, descansando da caminhada que teria sido longa debaixo de um sol escaldante, fiquei por ali, observando tudo e fazendo minha leitura visual e mental de tudo que estava acontecendo, foi quando de repente, vi aqueles estudantes que estavam sentados ao meio fio e no asfalto quente das ruas em torno da praça, levantando-se rapidamente e dos microfones mudaram o tom dos discursos, afirmando que o movimento era pacifista e o único desejo era que a comissão da greve fosse recebida pelo governador, pois pelo presidente da Assembléia Legislativa já teria recebido o documento reivindicatório do movimento.
            Mas logo vi que algo iria dar errado, quando vi todos se espremendo em direção ao centro da praça, a minha curiosidade se aguçou, levantei-me rapidamente para ver o que estava acontecendo e ao cruzar o primeiro batente, o tenente Wolgrand Filho segurou-me pelo braço e pediu que o acompanhasse. Fiquei olhando sem entender, mas fui obediente, afinal, seu pai, o Coronel Wongrand era homem de confiança do meu pai quando exerceu a função de Comandante Geral da Polícia Militar do Estado da Paraíba.
            Mas chegando ao hall da Assembléia Legislativa, perguntei ao Tenente Wolgrand o que estava acontecendo, foi quando as portas da Assembléia Legislativa se fecharam e apenas das janelas de vidro, pude assistir ao massacre da massa estudantil, promovido em plena luz do meio dia pelo Pelotão de Choque comandado pelo Tenente Kelson Pio Chaves, que anos depois se tornou Comandante Geral da Polícia Militar no Governo Cássio Cunha Lima em substituição ao Coronel Lima Irmão.
            Nada pude fazer, apenas assistir de camarote a tudo, meus olhos fitavam as portas da Assembléia Legislativa com reforço policial para que não fosse refúgio de ninguém e imediatamente meus olhos se voltava para o centro da praça, assistindo os soldados do choque batendo, espancando, passando por cima de todos e de tudo a sua frente, os cassetetes, escudo e cavalos me fazia lembrar o romantismo das aulas de história antiga, ou seja, as batalhas que deram origem ao Império Romano.
            A Paraíba não teria presenciado ato tão selvagem durante muitos anos, a única lembrança que se tinha registrado em livros e jornais da época, era a tentativa da invasão da Faculdade de Direito dos Anos de Chumbo. A ação foi rápida, muitas estudantes sendo pisoteado, o corre-corre ara grande, mais todas as saídas da Praça João Pessoa estavam fechadas pelo Pelotão do Choque, virou uma grande Arena Romana, os soldados era os leões soltos e os estudantes a presa fácil. Minha mente fervilhava e Dr. Burity já percebia que eu desejava falar algo, pois deixe a minha inquietação ser percebida ao lembrar-se do grande massacre aos estudantes na Praça João Pessoa em seu segundo governo.

João Pessoa, 26/12/2010 

domingo, 19 de dezembro de 2010

Tarcisio Burity, divagando em minhas lembranças (Parte III)
                        
        Saí logo cedo de casa, peguei o primeiro ônibus da manhã que saía do bairro sentido centro, não esperei a carona do meu pai, pois a minha mente só estava voltada para ação da greve e mal tinha dormido direito, a ansiedade era grande e tinha que chegar primeiro, para evitar a entrada dos estudantes nas escolas.
            O ônibus passava pela Praça da Independência, sentido Lagoa (Parque Solon de Lucena), da janela já avistei o carro de som, cedido pela CUT-PB em frente ao Colégio Marista Pio X e poucos estudantes do Colégio IPEP, Anglo, Luíz Gonzaga Burity e alguns vestidos todos de branco, que representavam a Escola de Enfermagem Santa Emília de Rodat. Misturavam-se com os alunos do Marista que chegavam e não entravam devido aos cadeados colocados pelo comando de greve nos portões da escola.
            O itinerário do ônibus seguia sua rota normal, passando pelo Lyceu Paraibano e Colégio Olivina Olivia, a concentração já era maior e o trio elétrico já fazia barulho com palavras de ordem. Chegando a Lagoa, desci do ônibus e logo segui as ruas sentido ao Largo de São Francisco, na lateral do Colégio Arquidiocesano Pio XII, estava lá como combinado, o carro de som do Sindicato dos Bancários e os alunos que se aglomeravam eram convencidos a não entrar e seguir na grande passeata programada para logo mais com a finalidade de baixar o percentual do aumento das passagens dos coletivos urbanos.
            Já eram oito horas da manhã, saímos no sentido contrário da Avenida Visconde de Pelotas, embalados nas músicas de Geraldo Vandré, Engenheiros do Havaí, Titãs e Legião Urbana. Não podiam faltar às palavras de ordem, todos seguiam a canção e as faixas pedindo o fim do aumento das passagens dos coletivos urbanos de João Pessoa.
            Nós do comando de greve vínhamos na frente da passeata, embalando a greve com as palavras de ordem e fazendo discursos, quando chegamos ao Cinema Municipal, descemos sentido a Lagoa e logo chegando ao Magazine Mesbla, vimos à grande massa de estudantes no anel interno da Lagoa. Mas para nossa surpresa, não vimos um movimento pacifista como combinado, presenciamos sim, um enorme corre-corre, pedras e paus sendo atirados em direção aos ônibus, pessoas machucadas e por fim um ônibus incendiado.
            Fiquei perplexo, logo me voltei para Adriano, pois aquele não era o cenário desejado. Estava presenciando uma verdadeira praça de guerra e não era o programado por todos nós, era preciso segurar o nosso lado para não se envolver no conflito. Logo pedimos aos demais colegas para segurar a passeata no sinal do Edifício Vina Del Mar e saímos à procura dos líderes da UJS, defrontamos logo com Bené e aos gritos dissemos que tinha que acabar com o quebra-quebra, pois o nosso movimento tinha fins reivindicatórios de conduta pacifista e nossas reivindicações cairiam por terras se providências enérgicas não fossem iniciadas para acabar com o quebra-quebra, pois a imprensa e a opinião pública ficariam contra o movimento, afinal, seriamos considerados arruaceiros, bandoleiros e baderneiros.
            Logo Bené aos gritos dizia que também não entendia o que estava acontecendo, afinal, não sabemos de onde saiu tantas pedras e pedaços de paus, estava tão perplexo como nós. A polícia já chegava timidamente e sirenes de ambulâncias já chegava aos nossos ouvidos. Então disse a ele, temos que avançar, a passeata tem que seguir, não devemos ficar parados aqui, coloca os carros de som para andar e assim foi feito, logo cruzamos o sinal do Vina Del Mar e seguimos pelo anel interno da Lagoa em direção a Praça João Pessoa.

João Pessoa, 19/12/2010.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Tarcisio Burity, divagando em minhas lembranças(Parte II)

Enquanto Dr. Burity falava do gosto pelas artes, seguido das suas ações de governo, a conversa tomava corpo entre ele e meu pai, o Cel. Lins, os dois conversavam enquanto eu fiquei divagando em minhas lembranças de adolescente, da minha passagem rápida pelo movimento estudantil secundarista, da minha contribuição na primeira participação na organização de uma das maiores greves estudantil já ocorrida em João Pessoa, que teve como bandeira de luta, o aumento abusivo das passagens dos coletivos urbanos e que deu origem a SETUSA, uma das ações do segundo governo Burity em resposta ao empresariado do setor de transporte coletivo da capital paraibana.
Os dois conversando e minha memória se voltava para a escadaria de madeira do Colégio Arquidiocesano Pio XII, lá era os encontros dos rebeldes, quem comandava as reuniões era o jovem Adriano, ele tinha despertado para a política estudantil mais cedo. Ficava a ouvir a fala dos presentes, pensava primeiro, sugestionava depois. Vinham em mim os passos dados por Lênin, Trótski, Fidel, Mao Tse-tung, Lincoln e tantos outros que fizeram movimento popular e que culminou com grandes revoluções, deixando um legado na história contemporânea.
Eu pensava comigo, viver a organização de uma greve, minha mãe dizia que eu parecia tanto com meu pai, tanto em semelhança, quanto nas idéias. Realmente, seus livros, suas palavras, seus pensamentos e suas afirmações, me fez um jovem diferente dos demais da época. A maioria dos jovens da minha geração se preocupava em adquirir o tênis rebook, o vídeo game mega-drive, a bicicross, horas intermináveis de filmes em seus vídeos-cassetes etc. Esqueciam das partidas de futebol de rua, das grandes jogadas de dama, das pipas, das pescarias, das peças teatrais, dos encontros de fim de tarde para jogar vôlei ou futsal nas quadras de esporte espalhadas pelos bairros, às mudanças dos jovens da época eram visíveis, ou seja, a geração fast-food iniciava-se.
Todos os líderes das escolas públicas e privadas estavam sendo mobilizados e orientados para disseminar a idéia entre os estudantes. A greve teria três pontos de concentração: Praça da Independência, Lyceu Paraibano e Praça São Francisco. O arrastão teria início na Praça da Independência seguindo na contra-mão da Avenida Walfredo Leal no intuito de liberar os estudantes do Colégio Marista Pio X, do Luiz Gonzaga Burity, 2001 – Cepruni, Colégio Objetivo e seguiria para Praça São Francisco, para encontrar-se com os alunos dos Colégios João Paulo II, Nossa Senhora das Neves e o Pio XII, para depois seguir na contra-mão da Avenida Visconde de Pelotas e desceria na Avenida Almirante Barroso, sendo o ponto de encontro, o lendário magazine Mesbla da Lagoa, com os estudantes oriundos da concentração do Lyceu Paraibano, para então, seguir a Praça João Pessoa, sede dos três poderes do Estado.
O cenário todo desenhado na mente dos revolucionários mirins e só faltavam provar na prática a estratégia traçada. A minha mente borbulhava de lembranças vendo Dr. Burity conversando com meu pai, minhas idéias flertavam com suas palavras e sentia que ainda não era o momento para interromper, apenas ouvir, pois aprenderia mais, afinal, não se tratava de dois homens comuns na minha frente, se tratava de um cientista da política e do direito, com sua história de militância política que representou no passado a UDN e a ARENA, ou seja, Dr. Burity, de professor chegou a ser governador pelas mãos da Ditadura Militar. Já o outro, economista e apaixonado pelas causas do homem simples do campo, que em seu passado estava gravado o PSD e o MDB, era o Cel. Lins, considerado marxista, que na sua adolescência teria vendido caldo-de-cana na feira e chegou a ser Comandante Geral da Polícia Militar do Estado da Paraíba, coincidência ou não, ambos eram do Ingá, terra das Itacoatiaras.

Porto Velho, 12 de dezembro de 2010.